Jessi Fuller Fields nasceu no interior da Florida e foi educada em casa por uma família religiosa e conservadora. Amante da livros e poemas desde quando aprendeu a ler aos 5 anos, conseguiu uma bolsa de estudo para sua faculdade de Letras, que começou na Carolina do Sul e terminou na França. Agora mora em São Paulo, onde dá aulas de inglês durante as poucas horas em que não está escrevendo ou lendo.
Firme como batatas
Os “eu-estou-errados” ameaçam me derrubar —
Desagradáveis, diretos—
mas vou te contar uma coisa:
O odor de rosbife me tampa
e a pressão aumenta
me impulsando ao passado
e uma mesa posta para seis pós-culto,
pai sentado na ponta da mesa,
Deus debaixo dos lábios,
nossas mãos juntas para abençoar
o banquete composto de
carne e batatas.
Durante dez anos acordamos de madrugada,
e ajoelhamos nos genuflexórios rígidos.
Centenas de horas
passadas em oração, sossegados
enquanto o ministro murmurava
suas exprobrações edificantes
e depois, sempre a mesma coisa,
nossa liturgia particular
deixada no forno para amolecer,
derreter em fios de carne que tanto odiava
mas fui obrigada a comer.
Nenhuma frescura alimentar dentro de nossa casa
só as barrigas gorgolejantes cheias de rezas.
O que brota na escuridão
Pediu-me explicar mas não consigo
traduzir minhas memórias
em palavras. Talvez você ache
que eu me fortaleci
nesses verões calorosos
aguados, talvez, nas
águas de março. Deixa eu te contar
que isso não é verdade.
Estou aberta, até certo ponto.
É isso que você quer?
Por favor, liberte esse caroço de dentro de mim–
me ajude ver o que brota na escuridão.
Orientações sobre transplante
Considere o vaso raso de terracotta transbordado
com plantas que não germinam juntas
Sedum morganianum, o amante da alvorada, pinga folhas
verdes acinzentadas proliferando na calçada
Lavandula stoechas do velho mundo, tomentosa
macia, uma cura odorífera prateada
Ipomoea batatas das folhas violetas, prima não comestível
da batata-doce, buscando pelo sol e calor
Agave americana que resiste à seca
floresce sua decadência sans pareille
Todas compelidas à proximidade através da vontade humana
inexorável, sem preocupação com as exigências das coisas enraizadas
Mãos delicadas seriam incapazes de libertar
esses rizomas co-dependentes que cresceram juntos
Então desça a faca-de-mato no ponto intermediário
entre a sedum e a lavandula, e bata o barro firmado
Não se assuste quando um galho quebrar, maravilhe-se
com a terra se espalhando para mostrar as raízes frívolas
Florescendo até a beira mais distante do barro queimado
tecidas juntas igual a um tartã
Corte-as com firmeza. Em seguida
apoie a lavandula com bondade
Explique para ela que sua casa nova vai ser saudável,
diga que ela vai brilhar se apenas esquecer
Suas partes rachadas.
Faminta
sou uma criança de quatro anos
ruminando meus cabelos
até virarem pontas afiadas
com minha saliva adocicada
de um bolinho, um beijinho,
uma colherada de brigadeiro
minha pança ronca como a do Pooh
e desperta minha busca por doces
e achando um pedaço de papel
de manteiga no bolso do vestido
ponho os poucos miolos empoeirados,
ainda grudados no papel, na minha boca
mastigando até formar uma pasta amarga
do embrulho com o dia de ontem
engulo orgulhosa
que me alimentei sem
incomodar a mamãe
Como eu sobrevivo
Quando me voltaram todas essas lembranças, minha mente sumiu para tornar
minha história mais tolerável. Achei que seria fácil encontrá-la, quando eu estivesse pronta
escondida com minha fantasia do galinho Chicken Little &
próxima das memórias de Foco na Família depois da ginástica.
Porque minha mão tremeu tanto semana passada, quando eu abri o sótão?
Já não sabia que ela me aguardava, coberta de formaldeído, fedendo & morta?
Talvez eu esperasse que ela houvesse criado pernas & ido embora
sozinha. Claro que não. Mentes não conseguem sair andando por si só
devem-se guardá-las do mundo, secretas e silenciosas,
atrás de portas bem trancadas, feitas de abstração.
No fim, não encontrei o que eu havia escondido.
Em vez de uma mente curiosa, encontrei nosso lema:
Nessa família é herético lembrar de mágoas.
Desenho de Ariyoshi Kondo.
Comment (1)
Lindos poemas! Me senti nos pés do eu-lírico, com todas as emoções que isso traz.
Obrigado Jessi por produzir essa experiência